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Vinho não é bebida de elite

Vivemos em um país onde os impostos dificultam o hábito de consumo da bebida e onde o marketing dela é pobre. Você já se deparou com comercias de TV falando sobre vinhos? Por que não?


Temos que mudar esse cenário.

O vinho é uma bebida que enriquece a alma. Envolve saúde, cultura, ciência, história e gastronomia. Em muitos países, ele é considerado alimento e está na mesa das pessoas no dia a dia.


“Vinho não é bebida de elite”, diz maior especialista do Brasil Dirceu Vianna Júnior.

E não é mesmo. Existem rótulos para todos os gostos e bolsos. É uma questão de hábito.

Hoje é fácil encontrar informações sobre vinhos na internet, em aplicativos (por exemplo, vivino) e até mesmo nos locais de vendas.


Um vinho para ser bom não necessariamente precisa custar caro. Isso é um mito e um pensamento que acompanha muita gente. Vamos acabar com isso. Vinho bom é o que você gosta e pode comprar. Se permita conhecer. Arrisque. Sempre valerá a experiência.


E os vinhos 🇧🇷 são bons sim. Existem muitos rótulos espetaculares por aí que não ficam atrás de vinhos renomados internacionais.


Boa leitura! 👇 Reportagem: Marília Almeida, revista Exame.


São Paulo – O curitibano Dirceu Vianna Júnior, único detentor do título de Mestre do Vinho (Master of Wine) na América do Sul, a maior qualificação dada a profissionais da indústria do vinho, considera que teve momentos mágicos em sua trajetória. O profissional lembra da primeira vez que andou pelos vinhedos da Borgonha, na França, e de um almoço com um pequeno grupo de pessoas a convite do Príncipe Robert de Luxemburgo, onde degustou todos os rótulos Premier Cru classe de Bordeaux, pertencentes à lendária safra de 1982. Também se recorda de degustar um vinho da safra de 1703. “Foram momentos inesquecíveis, capazes de atrair qualquer pessoa para o mundo maravilhoso do vinho”. Entretanto, o que atraiu Vianna Júnior para a bebida não foi nada romântico. No início da década de 90, em seu segundo trabalho em Londres, ele foi promovido para gerente de um restaurante e teve de elaborar uma carta de vinhos. Sem conhecimento algum sobre o assunto, foi atrás da melhor escola que pôde encontrar. Desde então, sua relação com a bebida se desenvolveu e já completa 28 anos. Vianna Júnior viaja pelos mais diversos países para dar palestras, conduzir degustações e compartilhar conhecimentos sobre os tintos, brancos e rosés. Dono de uma empresa de consultoria em Londres, ele prepara uma nova edição do livro “Conheça Vinhos”, produzido em coautoria com Jose Ivan Santos e Jorge Lucki. Abaixo, ele fala à EXAME um pouco sobre a evolução da cultura do vinho no Brasil e por que precisamos desmistificar a bebida para degustá-la verdadeiramente: EXAME: O que mudou no panorama da cultura do vinho no Brasil desde que você começou a estudar o tema, há quase três décadas? VIANNA: Quando eu saí do Brasil para viver na Inglaterra no final da década de 80, o vinho ainda era visto como uma bebida de inverno e frequentemente vendida em garrafões. Era uma bebida pouco conhecida, colonial e rústica. Imagine o susto da minha família quando eu disse que iria estudar enologia. Eles não tinham a ideia de que a bebida na Europa é vista como parte integral da alimentação, faz parte do dia a dia, da cultura, é rica em histórias e representava uma grande oportunidade naquela época. Hoje, a cultura de vinhos no Brasil está avançando e ficou mais próxima dessa percepção. É ótimo presenciar isso. EXAME: Quando aconteceu a maior evolução da cultura da bebida no país? Foi quanto os rótulos gringos passaram a fazer parte do cotidiano de supermercados e shoppings? VIANNA: Eu venho acompanhando a evolução dessa cultura desde a minha saída do Brasil, mas acredito que não houve um momento chave. Essa mudança foi se desenvolvendo gradualmente. Logicamente que os supermercados e grandes redes tiveram um papel vital na evolução da cultura do vinho da mesma forma que aconteceu no Reino Unido, mas outros fatores também contribuíram para esse avanço, principalmente o fato de muitos brasileiros terem viajado para fora do pais e terem sido expostos a essa cultura do vinho nos últimos anos. EXAME: Agora, com a abundância de rótulos nas lojas e em sites, o consumidor brasileiro se sente “perdido”? Como consequência, ele está buscando mais conhecimento? É mais comum nos depararmos com cursos sobre a bebida no país, e também clubes de vinho por assinatura. VIANNA: O consumo per capita de vinho no Brasil ainda é muito baixo. A maioria da população ainda não conhece ou sequer degustou um vinho na vida. Muitos ainda têm a percepção que o vinho é uma bebida nobre e que exige muito conhecimento e rituais complicados. Isso é errado e acaba assustando a maioria das pessoas. Apenas uma pequena fatia da população se interessa pelo tema e está buscando conhecimento por meio de cursos, clubes ou lendo sobre o assunto. Existe um potencial enorme, mas o primeiro passo seria descomplicar o assunto. EXAME: Em 2016, você disse que o país ainda não está no nível da Argentina e do Chile quando se trata de bons rótulos. Deu algum passo à frente desde então? Como o consumidor pode se nortear pelos rótulos nacionais? O que vale a pena conhecer? VIANNA: O Brasil tem alguns bons vinhos, mas a indústria do país ainda não está no nível da indústria argentina ou chilena. Além disso, essa indústria, por sua natureza, é lenta. Não é possível dar passos largos em tão pouco tempo. Entretanto, existem, sim, bons produtores, como, por exemplo, Pizzato e Cave Geisse, no Rio Grande do Sul; Hermann, em Santa Catarina; e Guaspari, no estado de São Paulo. EXAME: Os “hermanos” parecem ser mesmo os queridinhos do consumidor brasileiro por unirem preço e qualidade. Mas há armadilhas na hora da escolha? Pode ser interessante pagar um pouco mais por rótulos superiores? Quais outros produtores também oferecem qualidade e bons preços? VIANNA: Concordo que os vinhos chilenos e argentinos oferecem uma boa relação entre custo e benefício na maioria dos casos. Contudo, algumas safras que estão atualmente no mercado não foram muito boas. Não é necessário gastar uma fortuna para ter uma bela experiência, mas acredito, sim, que vale a pena pagar um pouco mais e descobrir a qualidade que os vinhos de uma faixa de preço mais elevada têm a oferecer. Eu admiro os vinhos feitos pelos irmãos Michelini em Gualtallary, no sul de Mendoza. Fazem coisas diferentes, com muita personalidade, e são criativos. Os vinhos são atípicos, mas frescos e vibrantes, diferentes daqueles vinhos tipicamente mais encorpados e pesados. EXAME: Você já disse também que o espumante nacional está um passo à frente dos tintos. Recentemente, o Moscatel da Casa Perini foi eleito um dos melhores do mundo. Para quem gosta deles, é possível encontrar bons rótulos nacionais? Ou os estrangeiros ainda são preferência? VIANNA: De um modo geral os espumantes brasileiros continuam um passo à frente dos tintos. Admiro a família Perini, são grandes pessoas, fazem bons vinhos e não devemos tirar o mérito do trabalho sério e bem feito que fazem. Entretanto, dizer que o moscatel da Casa Perini é um dos melhores espumantes do mundo é incorreto. Usando uma analogia, um time de futebol brasileiro que disputa um torneio qualquer na Europa onde não estão jogando Real Madrid, Paris Saint Germain, Manchester United, Bayern Munique, Barcelona, Manchester City e outros grandes clubes europeus não pode ser considerado um grande campeão na Europa. Dentro da categoria moscatel a Casa Perini faz um bom exemplo de vinho e deve ser reconhecida e parabenizada por isso, mas não podemos enganar o consumidor ou a nós mesmos pensando que espumantes brasileiros podem ser considerados os melhores do mundo. Ainda estamos longe dos grandes franceses e italianos que optam por não participar desses concursos. EXAME: A febre das cervejas artesanais “atropelou”, de certa forma, a evolução do gosto pelo vinho no país? Sabemos que a cerveja, por conta do clima, ainda é queridinha no país. VIANNA: Essa tendência a favor de cervejas artesanais realmente compromete o desenvolvimento da cultura do vinho no país. A indústria de vinho é demasiadamente fragmentada e raramente trabalha em conjunto. Com isso, deixa espaço para esse movimento das cervejas artesanais crescer ainda mais. Realmente, a cerveja adapta-se bem ao clima do Brasil, mas existe um número gigante de vinhos que podem ser apreciados no verão. Além disso, uma cerveja tem gosto parecido todos os dias. O vinho pode oferecer uma diversidade gigantesca de estilos para qualquer ocasião e estação de ano, não apenas no inverno. EXAME: Atualmente não é difícil encontrar bons descontos sobre vinhos no país. É possível adquirir rótulos chilenos e argentinos por 20 reais em supermercados. A ideia de que o vinho é uma bebida elitista cai por terra? VIANNA: A crise dos últimos anos forçou importadores a serem mais criativos e buscar alternativas mais baratas sem sacrificar demasiadamente a qualidade. Isso foi algo positivo que notei nos últimos dois anos. Hoje é possível encontrar vinhos aceitáveis abaixo de 30 reais e, talvez assim, conseguiremos atrair mais apreciadores da bebida. O que falta agora são profissionais que tenham bom conhecimento, confiança suficiente e habilidade de compartilhar informações sobre o vinho de forma simples, derrubando mitos e deixando o consumidor à vontade. Nesse momento, a indústria não precisa de “enochatos”, que tratam a bebida como algo complicado e elitista. EXAME: O vinho branco é realmente mais adequado ao nosso clima, por conta do seu frescor? Ou este é mais um mito que ronda a bebida? VIANNA: O vinho branco é, sim, mais adequado ao clima do Brasil, mas isso não impede que o consumidor desfrute de bons tintos. Os vinhos tintos leves podem ser consumidos frios e mesmo os tinto mais encorpados devem ser servidos frescos, a cerca de 16 a 18 graus, o que lhes torna adequados ao clima mais quente do país. Outra coisa a ser descoberta no Brasil são os vinhos rosés, que também são compatíveis com o nosso clima. Os bons exemplos são leves, refrescantes e caem muito bem com pratos mais leves. Posso citar um ótimo exemplo que degustei recentemente: Dona Maria Rose 2017 do Alentejo, feito pelo produtor Júlio Bastos. Existem também vários produtores de rosé da região de Provença, no sul da França, como Whispering Angel, Miraval e Domaine d’Ott. Vinhos rosés nacionais de boa qualidade não tenho degustado nada nos últimos meses, infelizmente. Talvez essa também seja um dos motivos porque o consumidor não beba vinhos rosé. Talvez a grande maioria dos produtores não levam essa categoria de vinhos tão a sério como deveriam, o que é uma pena em um país onde o clima seria ideal. EXAME: O que o consumidor brasileiro tem a aprender com o consumidor europeu quando se trata de vinhos? VIANNA: O consumidor brasileiro não tem que aprender nada. A indústria de vinhos é que precisa aprender a se comunicar com o consumidor usando uma terminologia fácil e tirar o medo dele para que comece a explorar, apreciar e se divertir com a bebida. Uma das atividades da minha empresa de consultoria inclui auxiliar na seleção de vinhos para o clube de futebol inglês Manchester United. Eu acho incrível o volume consumido em um ambiente que talvez não deveria ser associado com o vinho. Isso tem a ver com a simplicidade da oferta, de não querer complicar ou assustar o consumidor que vai ao estádio para vibrar e se divertir, e não para aprender sobre vinho. EXAME: Qual a principal dica que você pode dar aos consumidores sobre a bebida? VIANNA: O vinho é uma bebida fascinante. Por ser um tema multidimensional e abranger saúde, cultura, ciência, história e gastronomia, além de nos levar a viajar pelas regiões produtoras, o vinho pode gerar conversas muito interessantes. O que o vinho tem de melhor a nos oferecer é a sua capacidade de estimular uma boa conversa, capaz de reforçar velhas amizades e ajudar a encontrar novos amigos. A principal dica que dou ao consumidor é para não se deixar levar pelos “enochatos” e se prender a rituais, não tirar dúvidas e ter medo de experimentar. Aprecie cada garrafa como uma pequena peça de um grande quebra cabeça, que trará momentos prazerosos e divertidos a partir do momento em que você começar a montar as primeiras peças.

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